Amor felino: como me tornei mãe do Boris e Cesar
Apesar de sempre ter sido uma gateira convicta, confesso que não havia planejado a “maternidade” de meus dois gatos – que ocorreu quase com um ano de diferença. Hoje, dois anos após a primeira adoção, penso nas inúmeras informações às quais não tive acesso nesse processo inicial, nos desafios e na falta de apoio nas horas difíceis, pois ambos vieram da rua.
Também relembro do quanto melhorei como pessoa e nas amizades que fiz por conta de meus “meninos”. Quando recordo desses momentos, o bacana é que me escapa um sorriso gostoso, de satisfação. Sem dúvidas, adotar um animal foi um ato de amor, de respeito e de autoconhecimento também. E tal aventura vem sendo deliciosa, proporcionada por dois bigodudos lindos, chamados Boris e Cesar.
Eu e os gatos
Desde pequena, sempre gostei muito de animais (principalmente de gatos), entretanto, em casa era proibido. Ora e outra eu tentava burlar a lei imposta pela minha mãe: quando achava um gatinho, eu o trazia para casa e o enfiada debaixo dos cobertores, guarda-roupa, onde desse. Mas confesso que não tinha muita habilidade em escondê-los, pois ela sempre os encontrava. Uma vez, trouxe filhote desnutrido que teve diarreia em um tapete novo. Para que ela não descobrisse, sentei no local e apoiei minha saia sobre o cocô. Foi um tanto engraçado, pois ela pensou que tivesse sido eu, até ela me tirar do local e descobrir que mais um felino havia entrado em seu “templo sagrado”. Não apanhei, mas ouvi um sermão. O gato foi expulso, e naquele dia jurei que seria veterinária, que compraria uma casa enorme e que todos os animais de rua seriam meus filhos, menos os ratos (pois desses eu tenho fobia).
Boris: o siamês SRD das terras gélidas do Paraná
Diferente de minhas previsões na infância, não sou veterinária e ainda pago aluguel (em locais cada vez menores). Estava no primeiro ano do mestrado, em Curitiba, e, sabe como é: zero vida social, muita pressão e estudos. Para ajudar, o Luis, meu namorado - que é veterinário (yes!) - estava fora do país.
Vez e outra, eu buscava aconchego na casa de minha irmã que, de vida mais estável, adotou quatro gatas. Simplesmente eu adorava passar meu tempo com elas, e isso aumentava meu desejo de ter bichanos. Porém, a ausência de estabilidade financeira e o status de estudante não me encorajavam muito. Até que numa tardezinha de agosto - onde fazia um frio tenebroso na cidade de minha irmã -, fui surpreendida com dois gatos: um siamês remelento e magrelo, e o meu namorado que veio me visitar!
Minha irmã aproveitou minhas férias e a vinda do Luis para me presentear um gatinho, que alguém havia encontrado na rua: tremendo de fome e frio, claro. Ele estava com muita diarreia e pulgas. Olhei para o Luis, e entendi que assumir a responsabilidade de um gato naquelas condições não era uma boa ideia. Ele, que na época estudava o bem-estar animal, disse que os animais precisam de um lar estável, boa comida, vacinas, consultas médicas e castração, os quais não poderiam ser pagos com uma bolsa de mestrado. Também falou que eu não deveria depositar minha carência em um animal, pois adotar era uma decisão séria. Ponderei tudo o que escutei, mas não podia me desfazer daquele filhote de três meses. Mesmo sem muito apoio, decidi encarar a maternidade felina, e batizei aquele miúdo de olhos azuis de Boris.
Nem tudo é ronrom nesta vida
Porém, as coisas não estavam muito favoráveis para nós dois, logo tive que sair do lugar onde morávamos, e precisava encontrar outro lar que aceitassem gatos. Minha sorte é que fui morar com uma amiga que tinha um cachorro, e, ela e o cãozinho acolheram muito bem o Boris. Consegui parcelar a castração e, com alguns sacrifícios pude comprar comida premium, custear as consultas médicas e até presenteá-lo com alguns mimos.
Nessa jornada toda, ele sempre foi um ótimo companheiro: escutava pacientemente eu treinar as minhas apresentações de trabalho, esquentava meus livros, sentava comigo na mesa do computador e me incentivava a correr - já que o danado gostava de escapar e passear pela vizinhança. Nessa época, infelizmente, eu não tinha muita consciência sobre a importância de se telar a casa. Comprei-lhe uma coleira, e assim fui me virando para protegê-lo.
Antes de o mestrado terminar, consegui um bom emprego, e aí começaram novos desafios: a separação do Boris e o cachorro, a adaptação no novo lar, e o fato de ter que deixá-lo sozinho em uma casa o dia todo. Não demorou muito, ele parou de comer, adoeceu bastante - a ponto de ficar internado -, e eu quase enlouqueci, já que estava em uma nova cidade, sem conhecer pessoas, onde não havia um veterinário que eu confiasse.
Foi duro, pois, mesmo com dinheiro, agora enfrentava duas situações não imaginadas: a falta de apoio no trabalho - afinal, ninguém te dá licença para cuidar de um gato, e ele precisava tomar os medicamentos e minha companhia –, e a falta de sensibilidade das pessoas “ah, é só um gato, não fique assim” ou “vá ter um filho, logo essa tua preocupação passa”, “sério que você está chorando por causa do seu gato?”.
À distância, o Luis tentava apoiar, mas não era o suficiente. Até que conheci uma ótima veterinária que ajudou muito com o Boris. Ele voltou a ser um gato alegre, e eu uma mãe de coração aliviado. Para tentar ajudar mais bichanos, fui colaboradora em uma ONG, e, na busca por informações que ajudassem a organização, encontrei o “Adote um Ronrom”, de onde obtive informações interessantes.
Junto com os conselhos de meu namorado, levei mais sério a importância de certos exames, telar os espaços da casa, e a me tornar uma “ativista” da causa felina. Acredito que a informação é a principal “arma” para diminuir o número de abandonos, para o devido cuidado, à adoção consciente e uma série de assuntos relacionados ao universo animal. E me entusiasmei tanto, que o universo conspirou a favor de outro gatinho...
Cesar: o chartreux mestiço
O Cesar veio de forma inesperada em minha vida: certa gata teve cria no sótão de uma casa, e o proprietário da residência conseguiu doar quase todos os filhotes, exceto um machinho valentão. Entretanto, haviam se passado três meses, e o gato, muito arisco, ainda continuava lá. A “solução final” para tirá-lo dali era usar um vaporeto para assustá-lo. Mas a missão foi frustrada, então, decidiram usar paus, pedras, sem resultado. Soube da situação, e consegui que uma pessoa o retirasse do sótão. O aspecto do gato era assustador: um animal cinza machucado, que rosnava de tão assustado. Ele estava comido por pulgas, cujos olhos não abriam por estarem inchados e terem muita secreção. Ele chegou ao meu trabalho no meio de uma tarde quente de sexta-feira, dentro de uma caixa de sandálias amarrada com elástico.
Hoje, quando penso, vejo que fui muito irresponsável: ao invés de levá-lo ao veterinário para avaliar a saúde do animal, eu o levei para casa. Por ser sexta-feira de um feriado prolongado, achei que seria melhor levá-lo para casa e cuidar de suas necessidades básicas: comida e banho. Arrumei um local quentinho e aconchegante dentro do banheiro (que era grande), e o deixei separado do Boris para a adaptação.
O gato miou quatro dias sem parar, não consegui dormir, e o Boris estava muito estressado. Claro que o Luis nem sonhava com a existência do Cesar, então foi tudo no improvisado (gente, aprenda com meus erros!). Finalmente o levei ao veterinário, onde recebeu vacina, remédio para vermes e o diagnóstico de que ele tinha a síndrome de estresse pós-traumático. Isso significa que o Cesar se assustava com o menor dos ruídos, tinha pânico de pessoas e, na presença delas, ou miava de forma ameaçadora ou corria feito louco, a ponto de se golpear contra a parede e miar muito forte.
Não durou muito o meu segredo, tinha que dividir isso com o Luis. E não preciso dizer que ele ficou muito zangado (risos). Para piorar, o recém-chegado estava com giárdia, e obviamente que o Boris contraiu. O Cesar curou rápido, mas o Boris não. Adoeceu bastante de novo, mas depois melhorou. Não demorou muito, veio o pedido de casamento do Luis, e eu e meus meninos tínhamos um novo destino, e mais desafios: Florianópolis.
Sim, o amor com responsabilidade pode tudo
Trazer dois gatos do Paraná até o novo destino não foi fácil, inclusive, porque o Cesar estava se recuperando da castração. O novo lar tampouco era grande, mas minha preocupação estava em torno da adaptação, especialmente do Boris, que ainda tinha dificuldades em aceitar a presença do Cesar. Um mês depois, Boris decidiu fazer greve de fome e adoeceu: desempregada, não hesitei. Peguei parte de nossas economias e fiz um check-up no bichano, e por sorte, ele estava perfeito.
Agora que eu tinha mais tempo, dediquei na integração dos dois gatos, em enriquecer o ambiente para o bem-estar deles e dar muito, muito amor. Nesses seis meses, desde que chegamos, o Cesar já consegue dormir conosco, brinca bastante e não sente tanto medo das pessoas (mas fica apavorado com ruídos que se assemelham a um vaporeto). Ele e o Boris brincam, dormem e comem juntos (lindeza que só), e ambos são saudáveis e enchem esse coração humano de alegria e de amor.
Claro que poderia ter contado apenas as partes fofas de nossa história – isso porque não detalhei o quanto me desesperei e chorei quando o Boris adoeceu, a vez que nem pude me despedir de minha mãe – que viajava – porque o Boris havia fugido, e das vezes que preferi não sair de casa para não deixá-los sozinhos, ou das vezes que saio e fico preocupada com eles. Conto tudo isso não para desanimar, mas porque desejo que minha experiência conscientize outras pessoas, para que elas aprendam com os meus erros e se sintam encorajadas quando surgir um problema (e eles vão surgir).
E minhas dicas são especialmente para os que acham que adotar um animal é só dar comida de supermercado e brincar de vez em quando. Pois vai muito além disso. Ademais, vejo semelhanças em ter um filho gato e um filho humano: a gente sofre quando eles adoecem, gastamos o que não temos para curá-los, olhamos rótulos das comidas pensando na qualidade e não tanto no preço, sorrimos feito bobos e postamos toneladas de fotos nas mídias sociais por qualquer bobagem que fazem. Como em um choro, reconheço todos os tons de miaus e levanto no meio da noite se escuto algo estranho, porque estou sempre em estado de alerta.
E não vejo diferença nesse cuidado com o que temos com os bebês. Claro que penso em ter filhos, e quero que eles amem e cuidem de seus animais assim como eu e o Luis cuidamos dos nossos. Inclusive, acredito que os animais nos preparam para a maternidade! Ao menos, sinto-me muito mais preparada do que antes de ter tido meus gatinhos.Portanto, meu caro ou cara, se você quer ter um ronrom, vá sem medo. Mas vá consciente de tudo o que relatei aqui.
Novos desafios
Agora, a vida nos impôs outro desafio: Vancouver, Canadá. O Luis foi convidado para pesquisar o bem-estar animal lá, e já estamos próximos da viagem. Meu coração está apertado, especialmente pelo Boris, mas na convicção de que tudo dará certo. Ao menos nos esforçamos muito, damos o nosso melhor para que tudo dê. Então, minha saga continua: eu e os três gatos de minha vida.
Bem, pessoal, foi um grande prazer escrever a vocês durante esses meses. Desejo a todos uma vida recheada de ronrons, e muita leveza, como o pulo de um gato. Abraços, e em breve retorno!
Fotos: arquivo pessoal.